domingo, 20 de fevereiro de 2011

Traga-me o girassol, poema do poeta italiano Eugenio Montale(1896-1981), que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1975




Traga-me o girassol para que eu possa transplantá-lo
na minha terra queimada pelas salinas.
Quero mostrar todos os dias ao espelho azul
do céu a ansiedade pulsante do seu rosto amarelo.

Eles tendem a tornar claras as coisas mais escuras.
Fazem você correr para fora do corpo em um fluxo
de cores: música extrema,
que nos mergulha nessa doce aventura.

Tradução livre de Jaime Leitão

Um tempo em espiral, poema da poetisa italiana Giuletta Paolini

Imersão lúdica
no estreito e fechado
labirinto da noite.

Entoa uma canção ou outra
em volta do céu, no espaço.

Um tempo em espiral:
intrigantes folhas.

Tradução livre de Jaime Leitão

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Uma Canção, poema do poeta norte-americano Walt Whitman (1819-1892)




Venha, vou fazer o continente indissolúvel,
Vou fazer a corrida mais esplêndida com o sol brilhando sempre em cima,
Farei divinas terras com magnetismo incomparável,
Com o amor dos companheiros,
Com o amor ao longo da vida dos companheiros.


Vou plantar companheirismo espesso, forte
como árvores ao longo de todos os rios da
América, e ao longo das margens dos grandes lagos, e em todas
as pradarias;
Farei cidades inseparáveis, com os braços uns dos outros,
pescoços, os corpos inteiros unidos
Pelo amor dos companheiros,
Pelo amor viril dos companheiros.


Para você trago essa mulher, ó, Democracia,
essa grande mulher tão esperada.
Para você, estou trinando essas canções,
nascida do amor dos companheiros,
No amor altaneiro de todos os companheiros.

Tradução livre de Jaime Leitão

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

PACTO, poema do grande poeta norte-americano Ezra Pound (1885-1972)




Eu faço um pacto com você, Walt Whitman.*
Eu já o detestei o suficiente.
Eu venho a você agora como uma criança crescida
Que teve um pai cabeça-dura;
Eu sou velho o bastante para fazer amigos.
Foi você que quebrou a madeira nova,
agora é o momento para a escultura.
Temos uma seiva e uma raiz -
Que haja comércio
de ideias e palavras entre nós.

Walt Whitman
(1819-1892)
É considerado um dos maiores poetas norte-americanos de todos os tempos e um dos precursores da poesia moderna.

Tradução livre de Jaime Leitão

Três poemas do genial pintor Pablo Picasso (1881-1973)


I
Eu me divirto
vendo a bruxa
incendiar o mundo
com os seus lábios de fogo.

II

À tarde
puxo delicadamente
com as unhas
a minha pele
e sinto toda aquela chama
que já está acesa
às cinco da manhã
e mais ainda agora
às três da tarde
e que faz ferver
os meus dez dedos.

III

O feltro
acolhe o pão
o mel quente
e os jasmins.

Tradução livre de Jaime Leitão.

FLORES, poema do dramaturgo romeno Eugène Ionesco (1909-1994), um dos maiores nomes do teatro do absurdo, escrito quando o autor tinha 20 anos.





As flores coletadas em vidros
aprisionadas
estão chorando
E sonhando com borboletas em pomares de sol.
As flores pensam: -Morremos recolhidas,
exiladas da vida.

Tão triste e patético o gotejamento de água
que forma pontos de luz.
Uma das flores desabafa: - Todos pensam que somos apenas pétalas.
Só nós sabemos o peso das nossas lágrimas
brotando de nossa alma.

A abelha traz notícias das irmãs.
Há um clima de profunda nostalgia
crescendo entre as flores presas.

Saudade das flores silvestres.
Elas sonham com borboletas enquanto morrem.
À distância, nos pomares,
brilha o sol.

Tradução livre de Jaime Leitão

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

QUEM SOU EU?, poema de Antonin Artaud



Quem sou eu?
De onde eu venho?
Eu sou Antonin Artaud
e o que eu digo
do modo como eu sei dizer
é que imediatamente
você verá o meu corpo atual
explodindo em mil partículas
e escolhendo instantaneamente
se reconstruir
em uma surpreendente reorganização.
Será um corpo totalmente novo
do qual você jamais irá esquecer.

Tradução livre de Jaime Leitão

A Rua, poema do francês Antonin Artaud (1896-1948): poeta, dramaturgo, ator, artista plástico, teórico do teatro .




A rua sexual se anima,
ao longo dela
faces com e sem desejo.
Há corpos desgarrados de si mesmos,
chilreios sons alucinantes.
Os cafés convidam ao crime,
avenidas são arrancadas do asfalto.

Sexo com mãos queimando dentro dos bolsos,
ventres fervem por dentro;
todos os pensamentos colidem
nas cabeças que mais parecem buracos.

Tradução livre de Jaime Leitão

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Talvez a mais querida, poema de Julio Cortázar

Você me deu o tempo e a intempérie,
a leve sombra de sua mão
tocou e permaneceu no meu rosto.
Você me deu o frio, a distância,
o amargo café da meia-noite
entre mesas vazias.

Tradução livre de Jaime Leitão

O que me atrai no seu corpo, poema de Julio Cortázar

O que me atrai no seu corpo é o sexo.
O que me atrai no seu sexo é a boca.
O que me atrai na sua boca é a língua.
O que me atrai na sua língua é a palavra.

TTradução livre de Jaime Leitão.

A máquina lenta da indiferença, poema de Julio Cortázar



A máquina lenta da indiferença
tritura em suas engrenagens os amantes :
corpos separados , travesseiros jogados,
páginas de cartas de amor rasgadas, beijos findos.
De pé diante do espelho
cada um questiona para si
as causas e o tamanho do desastre,
não mais olhando para o outro
com a nudez que não é mais para o outro.
Já não há um eu te amo meu amor,
que se bateu em retirada.

Tradução livre de Jaime Leitão

A Mosca, de Julio Cortázar

Eu terei que matá-la de novo.
Já a matei tantas vezes,
en Casablanca, em Lima,
em Cristiânia,
em Montparnasse, em uma fazenda em Lobos,
no bordel, na cozinha, sobre um pente,
no escritório.
Nesta almofada
terei que matá-la de novo,
única e plural mosca.
E eu a matarei com a minha única vida.

Tradução livre de Jaime Leitão

O QUESTIONADOR, poema de Julio Cortázar

Não me pergunto pelas glórias ou derrotas
nas grandes batalhas,
quero simplesmente saber onde vão se acumulando
as andorinhas mortas,
para onde vão as caixas de fósforo usadas.
Por maior que seja o mundo,
não se pode esquecer
das mínimas coisas
como os pedaços de unhas cortadas , os pelos,
os envelopes fatigados e amassados, os cílios que caem.
Para onde vão as nuvens , a borra do café,
os almanaques de outros tempos.
Pergunto por tudo aquilo que nos move ;
nesses cemitérios imagino que cresça
pouco a pouco o medo
que de uma pedra
nos mira com olhar sinistro.

Tradução livre de Jaime Leitão

Poema para ler em forma de interrogação, do poeta, romancista e contista argentino Julio Cortázar

Você viu
verdadeiramente viu
A neve as estrelas os passos felpudos da brisa
Você tocou
verdadeiramente tocou
o prato o pão a face dessa mulher que tanto ama e amou
Você viveu sentindo como um golpe na testa
o instante em que a respiração fica ofegante
entre o voo e a queda.
Você soube com todos os poros da pele
com os seus olhos as suas mãos o seu sexo
acionar o seu coração mole
que precisava chorar
e ser inventado novamente.

Tradução livre de Jaime Leitão.
Cortázar morreu há vinte e sete anos, no dia 12-02-1984.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

UMA ARTE, POEMA DE ELIZABETH BISHOP

A arte de perder não é difícil de dominar;
tantas coisas parecem ser feitas com essa intenção,
a perda em si não é um desastre.

Perca um pouquinho a cada dia.
Aceite o alvoroço
de perder chaves, a hora mal gasta.
A arte de perder não é difícil de dominar.

Então pratique perder mais, perder mais rápido:
lugares, nomes, e a cidade para a qual você pretendia ir.
Nenhuma dessas perdas é um desastre.

Perdi o relógio de minha mãe. E olha que o meu passado, do mais próximo
ao mais remoto, incluindo as três casas em que vivi , foi muito amado.
A arte de perder não é difícil de dominar.

Perdi duas cidades lindas. E, mais vastos,
alguns reinos que tive, dois rios, um continente.
Eu sinto falta deles, mas não foi um desastre.

- Mesmo perder você (a voz que ria, um gesto,
uma declaração, um Eu te amo) dito sem nenhuma mentira
e sem fazer teatro.
É evidente que a arte de perder não é muito difícil de dominar,
embora pareça algumas vezes um desastre.

Tradução livre de Jaime Leitão.

DE FERRO, POEMA DE ELIZABETH BISHOP

Sozinha na ferrovia
no trem sem rumo na paisagem torta
Eu viajei com o coração disparado.
Os laços foram muito próximoss entre si
ou talvez muito distantes.

O cenário era pobre:
pinheiros e arbustos de carvalho;
a folhagem verde-cinza misturava-se
em um movimento de encontros e desencontros.
Eu vi o laguinho
onde a vida é suja e mente
como um velho ermitão,
que traz uma antiga lágrima
agarrada aos seus ferimentos
lucidamente ano após ano.

O eremita disparou a sua espingarda
e a árvore de sua choupana balançou.
Sobre a lagoa houve uma ondulação
e a velha galinha de estimação foi destroçada.

"O amor deve ser posto em ação!" ,
gritou o velho ermitão.
Do outro lado da lagoa, um eco tímido
tentou -em vão-
confirmar a sua fala.

Tradução livre de Jaime Leitão.



CASA BRANCA, POEMA DA POETISA NORTE-AMERICANA ELIZABETH BISHOP , QUE VIVEU MUITOS ANOS NO BRASIL. HOJE, COMEMORA-SE O SEU CENTENÁRIO




O amor é o menino que estava no convés de gravação
tentando recitar :"O menino estava no
convés em chamas".
O amor é o menino, é o filho
que ficou gago
enquanto o pobre navio era tomado pelas chamas.

O amor é o menino obstinado, o navio,
mesmo os marinheiros de natação,
que gostariam de ter acesso a uma plataforma de aula
ou uma desculpa para ficar
no convés.
O amor é o garoto de gravação.
O amor é o convés em chamas.
O amor são os marinheiros de natação
escapando a nado
do navio em chamas.

Elizabeth Bishop (8 de fevereiro de 1911-6 de outubro de 979)

Tradução livre de Jaime Leitão.