quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Uma breve reflexão sobre a teoria da relatividade, do poeta e imunologista tcheco Miroslav Holub (1923-1998)

Albert Einstein,
(O conhecimento é a descoberta
do que dizer)- em uma conversa um dia
com o poeta Paul Valéry-
foi perguntado:

-Einstein, como você trabalha
com as suas ideias? Você as anota
no momento em que lhe aparecem? Ou apenas
à noite? Ou na manhã seguinte?

Albert Einstein lhe respondeu:
-Monsieur Valéry, em nosso negócio,
ideias são uma presença tão rara que,
se damos de cara com uma,
certamente não a esqueceremos fácil.

Não em um ano.

E completou:

-Ideias não passeiam por aí ao nosso alcance.
É preciso caçá-las
e muitas vezes desaparecem
porque não passam de miragem.

Tradução muito livre por Jaime Leitão.

Bielo-Rússia 1, poema de Valzhyna Mort, poetisa da Bielo-Rússia (1981)

Até mesmo nossas mães não têm idéia de como nascemos
como nós separamos as pernas e nos arrastamos para fora no mundo
é como rastrear no escuro
As ruínas após o atentado.
Não podíamos dizer qual de nós era uma menina ou um menino.
Perdemos a noção de sexo
Identidade e quase tudo.
Assamos a sujeira e o lixo pensando que era o pão
e o nosso futuro
se transformou em uma ginasta em uma linha fina do horizonte
equilibrando-se no vazio
ou sobre o dorso de uma cadela faminta e ferida.

Nós crescemos em um país
no qual a sua primeira porta foi traçada a giz,
em seguida,
um carro escuro chegou
e ninguém viu mais nada.
Naqueles carros não andavam
nem homens armados
nem um andarilho com uma foice.
É como alguém que nos visita prometendo amor
e nos arrebata veladamente de nossa casa
para obscuro destino.

Nós nos sentimos completamente livres
apenas em banheiros públicos
onde ninguém se importava com o que estávamos fazendo.
Lutamos contra o calor do verão e a neve do inverno
quando descobrimos que nós mesmos
éramos corpos em forma de língua
e nossas línguas haviam sido removidas.
Começamos a conversar com
nossos olhos.
Quando nossos olhos foram arrancados de nossos órbitas
nós passamos a conversar com as nossas mãos.
Quando as nossas mãos foram cortadas
conversamos com os nossos dedos na mão arrancada.
Quando fomos baleados nas pernas
a cabeça balançava para dizer sim
e dizer não.
Quando arrancaram as nossas cabeças,
Fomos arrastados de novo para o ventre de nossas mães
Para dormir
Como em abrigos antibombas.
Lá dentro protegidos
Fomos nascendo de novo
Enquanto a ginasta do nosso futuro
Pulava através do arco ardente do sol
Equilibrando-se
E fazendo piruetas
Sem temer o perigo.

Tradução do bielo-russo pela autora com Franz Wright e Oehlkers Elizabeth Wright

Tradução muito livre do inglês para o português por Jaime Leitão.

Ansiedade, poema da poetisa sérvia Desanka Maksimovic (1898-1993)

Não, não venha para mim.
Eu quero de longe amar você e os seus dois olhos.
Porque a felicidade é apenas
um namorado aguardando
a namorada ilusão.

Não, não venha para mim.
O encanto está na expectativa, na doce apreensão e no medo.
Antes da revelação
há o prazer de sentir a presença de quem ainda não veio.

Não, não venha para mim .Quando e para quê?
Só de longe podemos mirar o brilho das estrelas.
Neste instante, admiro todas.
Deixe-me amar os seus olhos à distância.

Tradução muito livre por Jaime Leitão

Tapeçaria, poema do poeta sérvio Charles Simic (1938)

O tapete traz imagens
que vão do céu à terra.
Há árvores nele, cidades, rios,
leitões e luas. Em um canto,
a neve cai sobre cavalos no pasto,
no outro , as mulheres trabalham no plantio de arroz.


Você também pode ver:
uma galinha sendo devorada por uma raposa,
um casal nu na sua noite de núpcias,
uma coluna de fumaça,
uma mulher carregando um balde de leite.


O que há além disso?
-Espaço, muito espaço vazio.

E quem está sendo focalizado agora?
-Um homem adormecido sob seu chapéu.

O que acontece quando ele acorda?
-Ele entra em uma barbearia.
O barbeiro irá raspar a sua barba, pelos do nariz, orelhas
e cortar o seu cabelo
Para fazê-lo se parecer com todo mundo.

A Pequena Caixa, poema do poeta sérvio Vasko Popa(1922-1991)

A pequena caixa recebe o seu primeiro dente
Possui pequena largura
comprimento.
E pouco espaço vazio.
Todo o resto ela possui.

A pequena caixa –sem explicação-
Começa a crescer.
O armário que estava no interior da casa
Está agora dentro dela.

E ela cresce mais e mais.
Torna-se maior do que pudéssemos supor.
O quarto está dentro dela,
A casa , a cidade , o planeta, o universo.


A pequena caixa recorda a sua infância
Toda sua memória cabe nela.
E por um grande anseio seu
Ela se torna de novo uma caixinha
pequena como antes.

Agora, na caixinha
Você tem o mundo inteiro em miniatura.
Você pode facilmente colocá-la no bolso,
Mas corre o risco de perdê-la
Ou que seja furtada
Como se fosse
Uma chave ou uma carteira.

Cuide bem da caixinha.
Ela contém você.

Tradução livre por Jaime Leitão.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Um número esquecido, poema do poeta sérvio Vasko Popa (1922-1991)

Houve uma vez um número
Puro e redondo como o sol
Mas só
muito sozinho
com uma solidão ampla e circular.

Ele começou a contar com os seus próprios recursos
de número solitário.
Dividu-se, multiplicou-se
Subtraiu-se, adicionou-se
E manteve-se sempre sozinho.

Ele chegou a um ponto limite
e parou de fazer acerto de contas consigo mesmo.
Fechou-se a sua volta
E passou a usufruir da pureza do sol.
De fora ficaram os ardentes
Traços de seus cálculos.

Eles começaram a perseguir uns aos outros através da escuridão.
Para dividir, quando deveriam se multiplicar.
Para subtrair, quando deveriam se somar.

Isso é o que acontece no escuro.

E não havia ninguém para perguntar
Para tirar as dúvidas
Para conferir os resultados
Para parar a perseguição
E lançá-los para fora
Dessa guerra numérica
Que não cessava nunca.

Tradução livre por Jaime Leitão

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Meu Testamento, poema do poeta ucraniano Taras Shevchenko (1814-1861)

Quando eu morrer, me enterrem
Na minha amada Ucrânia,
Meu túmulo ficará sobre um monte elevado
grave
Em meio à planície se espalhando,
Assim como os campos, as estepes sem limites,
A margem que mergulha do Dnieper.
Meus olhos já podem ver, meus ouvidos ouvem
O rugido poderoso do rio.

Quando os ursos da Ucrânia
lançarem no mar azul profundo
o sangue dos inimigos
Então, eu vou deixar
Esses montes e campos férteis
e voar para longe
Para a morada de Deus,
E então eu irei rezar.
Mas até esse dia
Eu nada saberei de Deus.

Depois de me enterrar, levantem-se
E quebrem as cadeias que nos prenderam,
lancem na água o sangue dos tiranos
e comemorem a liberdade
que conquistarão.
E na grande família nova,
A família do livre, do Justo e do Fraterno,
Com fala mansa, e palavras amáveis,
Lembrem-se também de mim.

Tradução livre por Jaime Leitão.

O Rinoceronte, poema do poeta norte-americano Ogden Nash (1902-1971)

O rinoceronte poderia até ser um animal doméstico
não tivesse nascido na floresta.
Para os olhos humanos não é uma festa,
mas um perigo aterrador.
Adeus, Farewell, velho rinoceronte.
A sua ausência para sempre já dói em mim.
Sinto como se você tivesse frequentado a minha casa
e fosse um dos meus amigos.

Tradução muito livre por Jaime Leitão

O dinossauro, poema da poetisa norte-americana Margaret Hillert (1920)

O dinossauro
Era uma vez
Foi há milhões de anos
Mas não é
Mais.

Ou será que ainda é
em outra dimensão
e não o vemos por pura inabilidade?

Se eu fosse um dinossauro,
saberia o que é ser um dinossauro?

É difícil
e ao mesmo tempo instigante
buscar saber o que se é
e distinguir do que não é
ou do que foi um dia.

Tradução muito livre por Jaime Leitão

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

As formigas , poema da poetisa indiana Gagan Gill (1959)

As formigas haviam perdido o caminho de casa.
Andaram, fazendo as linhas entre o sono e os nossos corpos.
Sua farinha invisível permanece dispersa em sua memória, espalhada
em algum lugar ou tempo a ser resgatado.
Mantiveram-se em ir de um extremo ao outro da Terra
nessa busca incessante.
Penetraram os seus dentes
em todas as coisas vivas e mortas.
As tristezas da terra cresceram
tão leve e lentamente sobre a sua condição de caminhantes
que todas as direções passaram a girar
sem rumo.
Os pólos começaram a mudar de lugar.
Mas ninguém sabia dimensionar a tristeza das formigas
perdidas em sua peregrinação
que parecia não ter fim.

Tradução literal por Lucy Rosenstein.

Segunda versão para o inglês por Jane Duran.

Tradução bem livre do inglês para o português por Jaime Leitão.

Nota explicativa: Na Índia, acredita-se que os resíduos de sal ou farinha de trigo, por exemplo, descuidadamente deixados cair no chão, deverão ser levantados do chão em uma próxima vida com os seus cílios: um enfoque que os indianos dão em relação ao valor de cada coisa mínima no plano do universo.
Tradução livre por Jaime Leitão.

Luz do Sol, poema da poetisa de Bangladesh, Rohima Ema Begum

O sol chegou
muito brilhante
dando-me essa maravilhosa luz.
Ele sobe alto
para o céu.
Olhando para ele,
apesar de cegar-me,
penetro na alma do laranja e do amarelo.
O sol é redondo e redondo,
não ouço o seu som,
parece calmo e atento,
mas é a maravilha quente
plena
incandescente.
Segue-me por onde ando.
Issso é tudo que posso dizer
sobre a luz do sol.
Eu posso ouvir o sino tocar
dentro dele.
É um som que não faz som,
mas que soa dentro de mim
com uma sonoridade
de luz laranja e amarela.

Tradução bem livre por Jaime Leitão

Na via escura da vida, poema do poeta nepalês Bhupi Sherchan

No caminho escuro da vida
Eu me sinto iluminado
por uma lâmpada acesa com o dínamo de uma bicicleta.
Enquanto
minhas pernas se levantam e se abaixam
empurrando o pedal
apresso-me em
chegar ao meu destino
antes que a lâmpada se apague.
Logo me canso
e os meus pés lentos pedem
uma parada.
Na minha frente
pula a escuridão
como uma pantera
e ouço o latido de um cão.

Tradução do nepalês por Wayne Amtzis.

Tradução livre do inglês por Jaime Leitão.

Mentalmente morto, poema do poeta Amim Mansur, de Bangladesh

Preso em um asilo da minha própria mente
Com não mais
que pensamentos irrespondíveis,
enigmáticos,
Reflito profundamente.
Apodrece minha mente,
Ansiando por uma solução que não consigo encontrar.
Pena, eu não posso perguntar para trás
inverter o raciocínio
quebrar a estrutura da minha interrogação.
Nem pedir ajuda para o maior de todos os déspotas esclarecidos.
Quem pode desatar os meus nós mais difíceis?
Ai de mim!
Dentro da minha consciência
eu permaneço alinhado, amarrado, encarcerado.
Para tirar a minha vida, a morte é aqui.
Psicologicamente, eu já morri.
Ele, o meu cérebro,
me chama a ele enquanto eu o olho com desconfiança.
Avancei, pensando pelo lado bom,
concluindo que eu estaria aliviado e livre
deste pesadelo eterno.
Não estou.
A minha mente me engana
nesse jogo de gato e rato sem fim.

Tradução muito livre por Jaime Leitão

Saara, poema do poeta Mohammed Ebnu, do Saara Espanhol (1968)

O que há por trás
daquelas paredes
com o seu nome inscrito
na cor de seu sangue?

Você é negra, linda,
olhos escondidos
na areia
ocultos
na areia
quando virão à tona
e me libertarão?

Tradução do original por Mohammed Ebnu
Tradução muito livre por Jaime Leitão

Eu ou o rato, poema da poetisa iraniana Rira Abbasi (1962)

Shhh!
Não diga nada a ninguém.
Eu tirei o pão da boca de um rato.
Era a guerra
e valia tudo.
Homens e ratos se engalfinhavam
por migalhas.
Eu queria pão
e o rato queria a vida.

Tradução do persa por Maryam Ala Amjadi.

Tradução livre do inglês por Jaime Leitão.

Eu Quero Morrer, poema do poeta iraniano Bijan Jalali (1928-1999)

Eu quero morrer.
Não que meu coração esteja falhando
E o meu corpo esfriando
E começando a ser nivelado com a terra.
Eu quero morrer.
Não que eu busque o silêncio absoluto,
não ouvir mais nenhuma voz humana,
Ou que o sol deixe de brilhar sobre mim
Ou que fique cego
Para a lua e as estrelas.
Eu procuro uma morte extraordinária,
Como a água que se transforma em vapor,
Como o desabrochar da semente,
Como o pôr do sol,
Como um céu que está nublado
tempestuoso
E de repente se torna de novo azul.
Eu quero ser aniquilado e
nascer de novo em outro mundo.
Um mundo ainda não nomeado,
Um mundo que eu ainda não conheço para intepretá-lo,
Um mundo que se assemelha ao universo da imaginação,
Em que tudo é possível,
Verossímil,
Exceto o medo da aniquilação,
Exceto a miséria,
Exceto a solidão.

Tradução do persa por M. Alexandrian

Tradução livre do înglês por Jaime Leitão

domingo, 14 de novembro de 2010

Passagem, poema do poeta de Omã Abdullah Al Riami (1965)

A tempestade chega sem avisar
mas é possível
sobreviver a ela.
Escrever versos breves
é a melhor maneira
de cruzar oceanos
e enfrentar as tormentas.

Trdução literal por Anna Murison

Tradução livre por Jaime Leitão

Sem fôlego, poema do poeta sudanês Al-Saddiq Al-Raddi (1969)

Seu coração bate forte
como se ela já estivesse
em sua porta.

E como você a espera
com tamanho fervor
e ansiedade
todos os pássaros no céu do meio-dia
respondem ao seu clamor
e se aproximam da sua janela.

Estamos na idade da paciência
numa floresta de vibrar
sem perder o fôlego,
para que, se ela vier,
o encontre bem
costurando o canto dos pássaros
ao lado da sua janela.

Tradução literal do árabe por Hafiz Kheir

Segunda tradução por Sarah Maguire

Tradução muito de livre por Jaime Leitão

A CASA EXILADA, poema do poeta tibetano Tenzin Tsundue (1975)

Nossa cobertura de telhas pingava
e as quatro paredes ameaçavam desmoronar,
mas pretendíamos voltar para casa logo.
Não nos deixaram.

Cresceram mamões
na frente da nossa casa
pimentões no nosso jardim
e limbos nas nossas cercas.
Em seguida, abóboras.
Os nossos bezerros escaparam para a rua
e desapareceram.

A grama tomou o telhado,
grãos germinaram
e destruíram as videiras.
As plantas rastejaram pelas janelas.
A nossa velha casa parece ter criado raízes.

As cercas continuaram crescendo no meio de uma selva.
Como poderei dizer aos meus filhos
De onde viemos
Se a nossa casa se transformou
Em uma floresta estranha?
Os quartos
a sala
a cozinha
sumiram no meio da vegetação
espessa.

Tradução muito livre do inglês por Jaime Leitão

Um Corpo, poema do poeta sudanês Al-Saddiq Al-Raddi (1969)

O corpo de um pássaro
Respira canções em sua boca.
.
Uma luz crua derrama dos seus olhos
com uma nudez desconcertante.

É preciso romper o horizonte, pelo menos uma vez,
para acordar.
Você deve abrir janela após janela.
Você deve suportar as paredes.
Você deve resistir às ameaças.

Eu deixei-me agarrar pelas palavras
e alfabetos
e criei uma discussão
na linguagem
para entender o que me unia
e o que me separava do mundo.

Eu reuni multidões em minha boca:
suspensa entre a linguagem e o mundo,
entre o mundo e os alfabetos.

Eu deixei minha cabeça
ouvir o mito,
com as suas histórias
e revelações.
E eu grito com os ventos a partir do topo de uma montanha.

Por que minha língua me disse para subir até aqui?
Qual é a distância entre a minha voz e o meu desejo?
O que há?

Há um corpo que transcende o meu corpo.
Um corpo exilado pelo desejo.
Um corpo protegido pelo vento.
Um corpo com voz.
Outro corpo falando por dentro das minhas entranhas,
Mas eu não o escuto.
Tradução literal do árabe por Atef Alshaer.

Tradução muito livre por Jaime Leitão.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Desolação, poema do poeta afegão Partaw Naderi (1953)

Nas linhas das palmas de suas mãos
eles têm escrito o destino do Sol
para longe daqui.

Levanta-te,
levanta a tua mão -

a longa
- quase infinita- noite
está a asfixiar-me.



Tradução literal por Yama Yar.
Tradução final do afegão para o inglês por Sarah Maguire.
Tradução livre do inglês para o português por Jaime Leitão.

Um Rouxinol, poema da poetisa Farzaneh Khojandi (1964), do Tajiquistão

Este pomar frondoso é um rouxinol,
um rouxinol cujas canções são o amanhecer
e me levam para a luz,
para as montanhas lendárias de Farhad ,
e para o local onde o louco Majnun conversa com um corvo
Como se fosse a sua amada.
Diz: -"Olá, linda!"
Olho para a caverna de sorte,
luminosa na solidão,
desfrutando de ouro
e de um paraíso onde Adão e Eva olham
para o grão de trigo e se perguntam::
"Vamos provar isso ou não?
Se eu fosse Eva, eu não provaria.
Graças a Deus eu não sou Eva porque a humanidade nunca mais
iria me perdoar por não pecar.
Ó minúsculo grão de trigo milagroso, ó pequena maçã do espanto,
O simples início de mim.
Há um rouxinol que canta através de minha boca e de meus pensamentos,
canta de volta para o início da memória.
Há um rouxinol voando para fora da gaiola do meu peito;
cantando agora à beira da manhã.
Eu estou saindo, eu estou indo embora, meu amigo.
Você tem que sentir o corpo da vida, espalhar a sua existência,
você deve se apressar,
você deve trazer para Farhad a inesquecível história,
A boa notícia sobre Shirin, sua amada,
você deve deixar as suas impressões digitais
na caverna de Zaratustra
e sentir na pele e nos lábios o gosto da luz
Para provar o grão de trigo do paraíso - ou não?. ..
Eu estou saindo, estou saindo agora
Para um outro espaço.
Sou rouxinol livre no meu voo.
Meu amigo, abra o seu coração para mim.

Tradução livre do inglês por Jaime Leitão.
O poema foi escrito originalmente no idioma farsi (persa).

Eu quero escrever, poema do poeta indonésio Toety Herati (1933)

Eu quero escrever
um poema erótico
em que as palavras-primas, sem adornos,
fiquem belas por si mesmas
e as metáforas sejam desnecessárias.
Que os seios, por exemplo,
não se tornem montanhas
nem o corpo uma paisagem sensual.

Que a relação brote com toda a sua força
E com o sexo queimando os parceiros
Em toda a sua vibração.
Não pode ser reduzida
A um casto abraço
Escondido.

Este poema será escrito no espaço
entre a exposição e a ocultação.
Entre a hipocrisia e o verdadeiro sentimento.
E eu fico com o amor expondo-se
No seu ardor.
Intenso e fervente.

Tradução literal do indonésio para o inglês por Ulrich Kratz
Versão final para o inglês por Carole Satyamurti
Tradução bem livre para o português por Jaime Leitão

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Canção do Lelo, poema basco

Poema basco, de autoria desconhecida, encontrado em um pergaminho, com vários trechos apagados e rasgados, no final do século XVI, pelo escrivão da Zornoza, J. Iñiguez de Ibargüen, numa biblioteca de Simancas, na Espanha, por encomenda da Junta de Biscaia. Há muitas partes obscuras até hoje.

1.

Lelo Morto.
Morto Lelo?
Herói Lelo Zara.
Mataram Zara Lelo.

2.

Os braços de Roma
quiseram nos quebrar
e Biscaia levantou
a canção da guerra.

3.

Octavianus,
Do senhor do mundo,
Lecobidi
da Biscaia.

4.

Pelo mar
e por terra
Ele nos colocou
o cerco.

5.

As planícies secas
são deles;
as altas montanhas
e as cavernas são nossas.

6.

Quando estamos juntos
O nosso coração
Bate em ritmo de força harmoniosa.

7.

Nossos braços iguais
Não têm medo
Mesmo com as nossas
Armas doentes, quebradas.

8.
A fome e o frio desgastam
Nossos corpos nus
Mas eles resistem
Sem perder o ritmo.



9.

Por cinco anos,
dia e noite,
sem cessar,
durou o cerco.

10.
Quando um de nós morre
Cinco dezenas de inimigos
Perecem.
Essa é a conta.



11.
Fazemos a paz
Mas eles insistem na guerra
E a recebem
Como presente.


12.

Na nossa terra
e na sua aldeia
são amarrados da mesma forma
os inimigos e as cargas de madeira.
13.

No impossível
Fazemos o possível
Dentro das nossas impossibilidades
Extremas.

14
Somos grandes carvalhos
Resistindo a ataques constantes
De pica-paus
Matreiros.

Tradução muito livre do inglês por Jaime Leitão

A Nossa Relação, poema urdu da poetisa paquistanesa de etnia urdu Parveen Shakir (1952-1994)

Nossa relação não era tão firme
Forte
Casa sem telhado abateu-se sobre os seus ombros
Não havia quintal para abrigar-nos
Nem um quarto no fundo mínimo
para acolher o nosso amor.

Nenhuma promessa prendeu-o a mim.

Meu amor pulsou
Só para você
Mas se espalhou como o vento do deserto
E não o atingiu.
Você estava livre.
E eu presa a este amor.
Estradas sinuosas no seu pedido.
Já a solidão falava língua incompreensível
Nos meus ouvidos.

Você estava livre
E mudou a sua rota.
Você tinha pleno comando.
E eu à deriva
Me senti traída.
A casa sem telhado
Chão
Quintal
Desfez-se
No meu corpo e na minha alma transidos.

Tradução do urdu por Ayesha Khanna.

Tradução livre do inglês por Jaime Leitão.

Começo do mundo, mitopoema ianomâmi

Choram os ianomâmi o choro do início.
O buraco é fundo profundo mais fundo do que o mundo.
Os homens e as mulheres estão dependurados em um cipó ambé-coroa.
Crianças dormem sem saber.
O céu desce
Em queda livre
Para o abismo do azul.
As árvores ainda não foram criadas.
O sangue dos ianomâmi virou um rio
Que se espallhou pelo não ser das coisas.

Alguns ianomâmi permanecem morando
sob a terra
sob o sob do tempo congelado.

Deitados baixo.
Deitados longe.

No ar e nos buracos do céu cheio de rachaduras.
Céu trincado.
Intrincado.

Os xamãs seguram o céu e o mundo
Tão ainda no começo
Só um esboço.

(Adaptação livre por Jaime Leitão)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O Soldado Desconhecido, poema do poeta curdo Abdullah Peshew (1945)

Quando uma delegação estrangeira visita um país
leva uma coroa de flores ao túmulo
Do soldado desconhecido.
Se amanhã
Uma delegação
vier ao Curdistão
E perguntar-me onde está o túmulo
Do soldado desconhecido?
Eu direi, senhor,
Em toda parte,
Na vertente de cada rio
No banco de cada mesquita
Na porta de entrada de cada igreja
Dentro de cada caverna
Em cada pedra nas montanhas
Em qualquer árvore nos jardins.
Neste país
Em cada metro do céu
Em cada centímetro
Do espaço
Na memória de cada família
Nos objetos preservados em cada casa
Nos retratos
Nos soluços
Nas lembranças mínimas
Nos gravetos
Na areia do deserto
Há um soldado desconhecido
Para fixar a sua guirlanda.

Tradução livre por Jaime Leitão

Direções, poema do poeta curdo Ahmad Kajal (1967)

Quando ele se encontrava nas montanhas
e tirava os sapatos,
eles sempre apontavam para a sua cidade
Como se lá houvesse um ímã sentimental
Que o atraísse e o chamasse.
Mas nunca pensou
Que a sua terra natal
Fosse um dia libertada
Dos invasores.

Agora que ele está em sua cidade,
Em imaginação e sonho,
onde quer que ele deixe os seus sapatos,
Na montanha ou na planície,
eles apontam para terras além da sua
e para a sua própria terra,
que ele sonha um dia reencontrar
pisando no seu primeiro chão
percebendo-o na miragem
que o exílio sempre vê.

Independente da direção de seus sapatos,
ele vai viajar através do coração de seu país,
os mitos
as lojas em que esteve
em um dia distante
a arca de madeira de sua avó
e, no porão de uma casa feliz,
ele fecha muitas portas coloridas sobre ele
como aquelas portas das histórias de sua infância
que a sua avó ainda lhe conta
numa sombra com uma pequena luz
focada em ambos
colhendo memórias
infinitamente presentes.

Tradução literal do curdo por Choman Hardi
Segunda tradução do curdo por Mimi Khalvati
Tradução livre por Jaime Leitão

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Aves, poema do poeta curdo Ahmad Kajal (1967)

De acordo com a última classificação,
os curdos agora pertencem à espécie das aves.
Com as páginas da sua história rasgadas, amareladas,
Sujas de sangue,
Os curdos se tornaram nômades seguindo
Sem rumo em suas caravanas.
Sim, os curdos são pássaros.
Mesmo quando não há nenhum lugar para descer
E montar uma casa-tenda
Que sirva de refúgio para a sua dor,
Eles se voltam para a ilusão de viajar
Entre o clima quente e frio,
No seu país de origem
E de um país a outro,
Sem nunca realizar seu sonho
De formar uma colônia,
Um bairro,
Uma vila,
Uma cidade.
Eles não constroem ninhos
Nem mesmo em seu pouso final.
Eles visitam Mewlana para cuidar de sua saúde
Ou curvar-se à poeira ao vento suave, como Nali. *

*Referência a um verso de um poema do poeta curdo Nali, que viveu entre os séculos XVIII e XIX

Tradução literal do curdo por Choman Hardi
Segunda tradução do curdo por Mimi Khalvati
Tradução livre por Jaime Leitão

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O Destino, poema da poetisa búlgara Blaga Dimitrova (1922-2003)

Em um momento
o destino bate à porta
com a sua própria mão.

Você não pode deixar de abrir a porta.
A sua voz
afugenta o silêncio presente
nessa situação.

O que está escrito para você
com certeza
tem a sua caligrafia.

Se você abre as portas do medo,
com esse gesto
apaga o seu rosto
e a sua imagem.

O destino vem habitar em você.
Para onde você fugir,
ele irá,
e é impossível escapar
da sua própria pele.

Tradução livre do italiano de Jaime Leitão

Noite Silenciosa, poema da poetisa búlgara Dia Angelova (1973)

Qual é o ritmo do silêncio na noite?

Fria até o infinito
Faz um gato encolher-se
E enrolar-se até quase desaparecer.

Na linha de estrelas
Há um silêncio de solidão cósmica
Ninguém fala no ar
Não há sequer memórias.

Excluídas da noite densa
As palavras não existem.
E as coisas não têm nome.

Misteriosamente
As palavras pulsam sem história e sem existência.
Elas costuram discursos e passam interjeições
Entre si
Incompreensíveis.
Reflexões estranhas envoltas em fumaça.

Noite silenciosa
Nos círculos do universo
Não vá sempre
Você não vai ficar.

Não vá com a lua.
Não tente encontrar e sentir a respiração de alguém.
O abosolutamente nada libera uma brisa fresca.

Há rajadas de ventos invisíveis
Nascendo do silêncio.
O silêncio.

domingo, 7 de novembro de 2010

Garota forte, poema da poetisa búlgara Dia Angelova (1973)

Eu sou uma garota forte esta noite.

Acelero os meus passos
na noite deserta

Ouço clangor de sinos que não sei
de onde vem

Capas de mistério
aceleram minha respiração

Vejo imagens estranhas
para as quais não encontro explicação.

Hoje eu sou bruta, cruel,
mas com estilo
uma orquestra inteira toca em mim
um coral inteiro canta em mim.

Meu sonho é me afastar para um local distante
nas sombras
No beco sem saída.
No fim.
Na divisa da noite.
Hoje.

E todas essas palavras
No final
Fiquei sem saber
O que querem dizer.

O Que é a Alma de Um Poeta?, poema do poeta búlgaro Ivan Vazov (1850-1921)

O que é a alma de um poeta?
Sequências de vozes
que ressoam
em palavras, imagens, pensamentos?
Ou o tempo guardado em um imenso
carrilhão?
Um único verso
expressando todos
ou a vida sendo tocada
sempre pelo mesmo rondó e
tecida pela mesma roca?

Tradução do búlgaro: Yavor Dimitrov

Tradução livre do inglês de Jaime Leitão

Dois Lindos Olhos, poema do poeta búlgaro Peyo Yavorov (1877-1914)

Dois Lindos Olhos

Peyo Yavorov (1877-1914)

Dois lindos olhos.
A alma de uma criança
expressa
em dois belos olhos.
Em um vibra a música,
no outro, raios.
Eles não querem e não prometo ...
Minha alma está orando,
Criança,
Minha alma está orando!
Paixões e misérias
irão ser jogadas amanhã sobre eles.
Não joguem sobre esses lindos olhos
os véus da vergonha e do pecado.
Não joguem neles
Paixões e misérias.
Minha alma está orando,
Criança,
Para que isso não aconteça.
Minha alma está rezando ...
Eles não querem
Mas não prometo que eu consiga
Evitar que paixões, miséria e vergonhas caiam
Sobre esses dois lindos olhos.
Música, raios.
Em dois belos olhos.
A alma de uma criança.
Tradução livre de Jaime Leitão

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

ENQUANTO VOCÊ ESTÁ VIVO, poema da poetisa búlgara Blaga Dimitrova (1922-2003)

Enquanto você está vivo,
Não se esqueça de se alegrar!
Escute longamente o sussurro das árvores
antes que os seus joelhos
dobrem sob o machado.
Não se esqueça de se alegrar!
Enquanto você está na posição vertical,
enquanto você pode encontrar o vento
e tocar nele com os cabelos e o rosto.
Enquanto você respira nas alturas.
Enquanto o machado dorme.

Ars poética, poema da poetisa búlgara Blaga Dimitrova (1922-2003)

Escreva cada um dos seus poemas
como se fosse o último.
Neste século, saturado de estrôncio,
com o terror batendo as suas asas de aço contra os inocentes
e voando em velocidade supersônica,
a morte vem com uma rapidez assustadora,
sem que seja possível detê-la.
Envie cada uma de suas palavras
como uma última carta antes da execução,
uma chamada esculpida em uma parede da prisão.
Você não tem direito de mentir
nem de jogar.
Você simplesmente não tem tempo
para corrigir os seus erros.
Escreva cada um dos seus poemas,
concisamente, impiedosamente,
com sangue - como se fosse o último.
Escreva a poesia que nasce de você
como uma força feroz
capaz de aplacar o medo da morte.
Traduzido do búlgaro por Ludmilla G. Popava-Wightman
Tradução livre do inglês : Jaime Leitão

Uma bênção celta, poema escrito por um poeta anônimo

Que a estrada se abra
e se erga
para que eu possa melhor conhecê-lo.

Que o vento esteja sempre
embalando-o para a frente e para o alto.

Que o sol brilhe cálido
no seu rosto.

Que a chuva caia macia
em seu campo.

E até nos encontrarmos novamente,
Que Deus o carregue com firmeza
na palma de sua mão.

Tradução livre de Jaime Leitão

Submissão, poema celta, escrito por um poeta anônimo irlandês no século XIV

Sua respiração úmida e quente
sobre a minha pele
inflama uma chama pulsante
dentro de mim.
Palavras não conseguem descrever
a emoção que sinto
e que me prende.
Meu mundo é falso, mas é real.
O sabor duradouro de um beijo seu
irá me deixar na bem-aventurança eterna.
Você conhece o seu poder sobre mim.
Por que insiste em prolongar
a minha agonia e a minha miséria?
Eu não posso resistir à sua atração fatal.
Minha vida é sua.
Tenho certeza disso.
Então, quando você escolher o momento
de selar o meu destino,
terá valido a pena
ter passado por essa torturante
e cansativa espera.

Tradução livre de Jaime Leitão

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Divertindo-me, poema do poeta chinês Li Bai, que viveu por volta do ano 700, há mais de 1300 anos.

Nem percebi que a cor do vinho ficou mais escura.
Flores caem sobre a minha roupa e me tornam florido.
Ficar bêbado tem suas etapas
lua
fluxo do tempo
voo.
Ao enfrentar o vinho,
não vi o crepúsculo.
As flores penetraram
nas dobras da minha roupa.
Bêbado,
eu percebo a aproximação da lua no riacho.
Os pássaros estão longe.
As pessoas-poucas-
não percebem a minha viagem.

Tradução livre de Jaime Leitão

Poema iraniano de 1283, de Shams e Rumi Kolliyaat e-Tabrizi

Procuro amor,
e eu o encontro no enrolamento dos seus cachos.

Busco a vida,
e eu a encontro descendo a sua rua.

Motivado pela grande sede,
eu bebo, só para sonhar sobre a água
e vê-la refletida
cara a cara comigo.

Para o Povo, poema do poeta búlgaro Petko Rachev Slaveykov (1827-1895)

Eu fui ideais.
Olhei para fora de mim: o povo
e esqueci dos meus próprios erros.
No mundo, eu não vi o mundo.
Todo o tempo olhei para os outros,
abandonei-me
e abracei
o drama das pessoas
as desgraças
o sofrimento delas que me abrasava a pele.
Eu vivi e teci a minha vida
no amor com o meu povo.
Estou faminto, descalço, sedento e nu.
Mas o meu povo me alimenta e mata a minha sede
com as suas histórias
e a sua grandeza.

Tradução muito livre de Jaime Leitão.

Passo a Passo- Poema do poeta búlgaro Konstantin Pavlov (1933-2008)

O policial que me seguiu
passo a passo,
passo a passo
me acompanhou e me acompanha.

Cada passo que eu dei
foi seguido pelo seu passo
constante
sem olhar
mas constante
insistentemente constante
e opressor.
Nunca tive nenhuma brecha
e nenhuma esperança de escapar
ao seu passo
junto ao meu
perseguidor
e perseverante.
Ao entrar no céu
me senti seguido pelo policial
e permaneci preso.
Agora feche os olhos
e aguce os ouvidos.
O que você ouve exatamente?
O canto das aves do Paraíso
é doce e harmônico
mas o agente secreto
que me seguiu décadas
chia, grunhe,
emite os piores ruídos.

Tradução bem livre de Jaime Leitão direto do búlgaro.

Judas Apócrifo, poema do búlgaro Dimitar Langechev

Dimitar Lengechev

Meus apóstolos estão todos presentes,
mas eu não sei quem é Judas.
Meus apóstolos estão aqui presentes,
mas eu sei que alguém me traiu.
Ninguém se enforcou.
Ninguém se matou.
Ninguém me dirigiu o olhar com ar suspeito.
Assim eu nunca irei saber
quem tem sido o meu próprio Judas, o traidor.
Estará nas minhas entranhas
esse Judas que não sei quem é?
Que apóstolo?
Que apóstata?
Há o traidor, impossível negar a sua presença,
mas eu não sei quem é.

Tradução muito de livre de Jaime Leitão

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Humor, poema da poetisa búlgara Petya Doubarova (1962-1979)

O céu inteiro tropeçou em uma nuvem,
E caiu como uma cúpula do templo.
Então, como um avião, ele gritou.
E eu o vi, logo após o seu grito,
novamente mudo.

A chuva da noite, magra para tocar ou chutar,
era um fio de água no mapa das nuvens.
Já a alegria, ramificando-se em mim, era um carvalho
com a imensa largura de sua coroa ...

Porque a minha vida é um minuto brincalhão,
Arrebatada por um dia - imediatamente.
Eu vivo muito despercebida do que está em minha volta
Mas agora neste momento todo o céu vive em mim.

Tradução muito livre de Jaime Leitão

Sábados, poema da poetisa búlgara Petya Doubarova (1962-1979)

Aos sábados, eu me torno selvagem,
flexível fera
sem controle
e viva como um lince.

O cansaço da semana
não passa de um capricho
esvazia-se como uma ferida que sarou
sem curativo.

A escola se recolhe em minha mente
e fico a milhões de milhas
de lições
tarefas
registros
e quadros.

Cem mil rios correm para mim,
com dezenas de matizes, tons,
as visões do arco-íris
invadem os meus olhos e a minha alma
e me impregno do ritmo das mulheres ciganas.

Estou extremamente forte.
Torno-me uma videira na Primavera.

Eu me transformo na minha guitarra
em uma lágrima ou um segundo
que é um tempo diminuto e infinito.

Eu não quero fazer perguntas,
só ouvir o som da minha guitarra.

Aos sábados, eu me torno selvagem,
flexível fera
sem controle
e viva como um lince.

Todas as feridas , queixas,
caprichos e cansaço
cicatrizam.

Perco a dimensão de quem sou.

Mas quando coloco o uniforme
na segunda-feira
formal negro
aquela túnica de sempre
me transformo na menina boa de antes
e os olhos do lince miram
outras paisagens bem além daqui
como se para ele eu não mais existisse.

Tradução bem livre de Jaime Leitão

CHAMADA- poema da poetisa búlgara Elisaveta Bagriana

Eu estou aqui atrás de três portas fechadas
e minha janela é uma grade
sou pássaro de
alma voluntária –involuntária em uma gaiola
sem sol e
com espaço demarcado pela ruidosa sombra.

Ventos da Primavera são leves.
Ouço vozes que não me chamam.
Minha paixão me assombra
pela morte do crepúsculo que em mim mora.

Quero fechaduras quebradas em pedaços.
Devolva o meu caminho através de corredores escuros!
Sem espaços, mas com as minhas asas quebradas
E ainda sedentas por voos.

Jorram sons de fora incompreensíveis.
Por trás dessas três portas que me subjugam,
meu ardente apelo você ouve?
Por que não vem então?
A sua chamada é o meu último alento.

Tradução muito livre de Jaime Leitão

Folhas- poema do poeta búlgaro Stoyan Dinkov

As folhas fingem
ser imortais
quando
habitam
a casa-universo das árvores.
O vento dissuade-as.
O mesmo acontece com a chuva
e a neve.
O mundo está cheio de roupagens,
de casas-sombra,
mas a nudez é a grande revelação
das folhas
que nem a noite esconde.

Tradução muito livre: Jaime Leitão

Estrada- Violeta Satanislavova, poetisa búlgara

Estrada I

Não me lembro quanto tempo eu tenho ainda
Nesta viagem solitária.
Eu não me lembro.
Talvez, muitos dias e noites tenham se passado.
Eu não me lembro.
Talvez, por ferir os outros, eu continuei.
Eu não me lembro.
Talvez, para ferir os outros, eu continuei.
Talvez, ferindo os outros, eu continuei.
Eu não me lembro.
Talvez, eu estivesse a uma distância muito curta
De muitos cometas!
Eu não me lembro.
Mas eu me lembro do sol brilhando alto
quente
vasto
pairando sobre o deserto da minha alma
Como uma vela sobre o leito de um doente terminal.

Tradução livre: Jaime Leitão

Grama, do poeta búlgaro Pavel Matev

Grama

Eu simplesmente vivo. Como um perfume.
Lembre-se disso!
Eu não sou uma pedra, nem sou um pico
mas eu sou grama.
Os ventos do inverno frequentemente deslizam
sobre mim.
E sob neve profunda
torno-me silencioso
Imerso na minha solidão .

Eu vou aparecer na Primavera de novo,
trovão vibrante
apaixonadamente desejado
-onírico
e azul.

Em mim mulheres apaixonadas
começarão a andar.
Elas verão em mim o mundo tranquilo,
azul e verde.

Dizem que cortar-me para baixo,
como o feno,
faria com que eu começasse a crescer novamente.
Não tenho pressa.
Eu espero. Eu espero!

Tradução livre: Jaime Leitão

As nuvens não têm- Poema do poeta búlgaro Stoyan Dinkov

Stoyan Dinkov

As nuvens não têm coluna vertebral.
Nem os rios.
A grama é um molusco.
Ela chora com os caramujos.
Os caracóis não colocam as questões em linha reta.
Eles fazem circular as sensações.
Somente a partir do cemitério você pode ver
que a vida fica acima dos seus olhos,
lá no alto.

Tradução livre do inglês: Jaime Leitão

UM COPO DE LIBERDADE- Poema de Dimitar Lengechev, poeta búlgaro

UM COPO DE LIBERDADE

Dimitar Lengechev

Se a morte me perguntasse:

-Que tipo de copo você prefere:

a escravidão do Milênio

ou a liberdade do instante? ,

eu diria sem vacilar:

-Eu sou um bom bebedor, querida morte!

Você deve derramar-me um copo de liberdade,

com direito a infinitos goles.

A escravidão não desce pela minha garganta.

Tradução do macedônio para o inglês: Branko Cvetkoski
Tradução livre do inglês para o português: Jaime Leitão

ÉDIPO -Dimitar Lengechev-poeta búlgaro

Édipo

Um relâmpago cortou a escuridão
- onde está meu parafuso, mamãe?
Estou nu no meio da noite.
Meu irmão Lazar
com um bico na boca
está sorrindo feliz.
Um raio cortou a escuridão.
Édipo ri sem cessar
com um copo de vinho
na mão.

Tradução do macedônio para o inglês: Branko Cvetkoski
Tradução livre do inglês para o português: Jaime Leitão

ÂNFORA- Poema de Slavimir Genchev- poeta búlgaro

Ânfora

No lamaçal amargo e cego -
Lugar esquecido por Deus
O pote antigo bóia
Entre o sujo
E o fétido
Em um mar de algas.


O homem se ajoelhou na cerâmica
Com as costas
Sobre um círculo também de cerâmica
Levou sete dias
Para ser capaz de criar aquela carne
Com a argila
De seu gênio.

Hoje, na rede do destino
Sua casca de toque
Abre a sua boca
com a memória do mel
E transpira vinho.

A ciência vai ter que suar
Para entender de onde
Ele retirou seus traços:
Elide, Roma ou Nikkei.

Mas todo mundo um dia assim
Na morte profundamente irá afundar
mergulhar
Ansiando por certa mão
que o afague na parte inferior
Onde se encontra
Rebocando-o
Do sujo
Das algas
Colocando-o
Em mar de glória
Para renascer ânfora azul
No eterno.


Traduzido por Teodora Gencheva do búlgaro para o inglês e tradução livre do inglês por Jaime Leitão.